terça-feira, 13 de outubro de 2015

Regras x Princípios: há espaço para ditaduras em um mundo pós-moderno?


Nossa contribuição ao "aulão das humanas" organizado pelo Emancipa - Marabá, rede de cursinhos populares que funciona no seio da Unifesspa:

Apesar de não haver um consenso sobre qual seria o marco temporal correspondente ao início da pós-modernidade, é possível "sentir" as suas principais características, dentre elas a alta complexidade dos comportamentos e das relações sociais, o pluralismo cultural e político, e a pulverização da vocalidade, principalmente pelos novos canais tecnológicos.
Sensível a essa realidade pós-moderna e influenciado pela virada linguística na filosofia, há cerca de 40 anos o direito passou a produzir o seu discurso não só por meio de regras, mas também através dos princípios. Ambos, regras e princípios, são atualmente expressões normativas utilizadas pelo Estado para direcionar as condutas e dirimir os conflitos.
As regras são estruturas fechadas que não dão margem para flexibilização. Com elas, ou temos tudo ou não temos nada, não há meio termo. Produz comportamentos e decisões padrões, tipo uma forma. Dentre as vantagens das regras, podemos citar a segurança gerada pela "previsão"  do futuro e a facilidade para se chegar a uma decisão sobre uma dada situação concreta. Dentre as desvantagens, temos a incapacidade para lidar com a individualidade das pessoas, o fechamento dos espaços para debate, e a perpetuação no tempo de uma vontade estatal que, apesar de soberana, pode ter se tornado obsoleta e anacrônica. Exemplo de regra: só é permitido o voto para os brasileiros maiores de 16 anos.
Já os princípios são estruturas abertas que carregam valores e podem ser moldadas às situações concretas. São mandados de otimização, pois buscam sempre a solução mais adequada. Produzem comportamentos e decisões que se ajustam ao caso concreto. Em se tratando se princípios, nunca há uma resposta pronta e acabada, mas sim o ponto de partida para a construção de uma solução sob medida. Dentre as vantagens dos princípios, podemos citar: respeita as particularidades dos indivíduos e das situações; garante que haverá debate em todos os casos e, consequentemente, possibilidade de influência na decisão final; assegura uma maior vocalidade aos diversos segmentos sociais; constrói decisões atuais. As desvantagens são: maior dificuldade para formar um consenso ou chegar a uma decisão e maior risco de decisões inesperadas. Exemplo de princípio: dignidade da pessoa humana.
Em um mundo pós-moderno, que valoriza a diversidade, o pluralismo e o debate, as regras estão cada vez mais perdendo espaço para os princípios, pois elas não são capazes de abrigar as múltiplas formas de manifestação que o homem encontrou para dizer quem é e o que faz aqui. Todos queremos ver nossas individualidades reconhecidas e respeitadas, mas isso nem sempre é algo que se consegue tratando todos segundo uma única regra.
Podemos agora nos perguntar: uma ditadura é feita de regras ou de princípios? Os ditadores apresentados pela história estavam preocupados em ouvir as pessoas ou em lhes impor a sua vontade? É mais fácil para um ditador governar um país usando regras ou princípios? Porque as ditaduras precisam sempre recorrer à violência e à censura?
No caso do Brasil, estamos ainda começando a operar com princípios, ou seja, estamos a cada dia nos tornando uma nação mais pós-moderna e plural. Novos espaços de debate surgem a cada dia, e isso significa mais vocalidade para as pessoas manifestarem suas individualidades. Os princípios estão cada vez mais sendo usados para produzir decisões judiciais mais justas e adequadas aos casos concretos. Os ganhos sociais, culturais e políticos são significativos demais para abrirmos mão desse processo.
Logo, podemos facilmente perceber que uma sociedade que pretende ser plural, complexa e, portanto, pós-moderna, não pode renunciar ao modelo democrático para abraçar uma ditadura. Um retorno ao mundo das regras implicaria calar a voz de milhões de pessoas e, pior, fazê-las caber em um molde escolhido por quem sempre esteve acostumado a oprimir.
Precisamos, em verdade, nos educar e desenvolvermos nosso espírito político para participar de debates principiológicos. Ao final, as dificuldades parecerão pequenas diante do acerto e da eficácia das decisões e práticas políticas surgidas a partir daí.

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